quarta-feira, outubro 17, 2018

Desfiar e voar

Houve uma vez um encontro.
Com muitas vozes e rostos.

Um encontro de fios de seda, tramando um tecido leve e resistente, colorido.

Houve uma vez um bordado.
A desenhar no tecido percursos diversos de amor e atenção.

Um desenho de imagem forte para durar.

Houve uma vez uma força que parecia infinita.
Tanto quanto o desejo de estar junto e crescer e mudar o mundo.

Capaz de fazer da dor a semente para algo bonito.

Houve uma vez uma boniteza.
Daquelas que se quer pra vida toda.

Mas que por um passo em falso, um detalhe, um pequeno rasgo, desfiou a trama.
Desfez a forma. Soltou ao vento seda e cor a voar.

Houve uma vez uma nova possibilidade.
Um possível sempre com jeito de saudade.

terça-feira, junho 05, 2018

In-vernas

Quero mergulhar na água e viver com os peixes.
Não quero sair do útero da terra.

Quero menos civilização.
Mais cheiro de terra e capim.

Quero a pureza dos urros dos animais.
Como se a palavra não tivesse sido inventada.

Porque a palavra, o concreto, o árido me matam aos poucos.

E eu sou viva demais pra andar por entre humanos.

quarta-feira, janeiro 24, 2018

Matrimônio

Detesto as palavras.
Elas são curtas, pequenas, sem sentido diante de tudo o que elas precisam dizer e não conseguem.

Entorto as palavras.
Misturo as palavras.
Costuro cada uma na tentativa infinita de fazer com que sejam mais.

Gosto das palavras, até.
Mas daquelas que se desprendem do dicionário.
Que se desligam da comunicação imediata.

Gosto das palavras que fazem curvas.

Gosto quando elas topam formar corpo maleável.

Palavras que deixam de ser palavras pra virar composição.
Palavras que aceitam o fato de não terem sentido-destino e que se desfazem do que dizem sobre elas.

Poesia do desenho com letras.
Dessas eu gosto, por essas eu me apaixono.
Com essas eu quero viver a vida inteira.