sábado, maio 05, 2012

A cada dia que passo.

Des-espero agudo irrompido no peito.
Des-amparo descasado estancado em sangue.
Des-caber em si.
Des-montar pedaços.

A cada dia que passa um a menos na garganta.
Uma voz mais fraca. Uma dor mais de graça.

Perguntas sem respostas.
Telefonemas sem interlocutor.
Um barulho mudo no outro lado.
Mendigando atenção.

A cada dia que passa mais vazio nesse cordão.
Um zunido no ouvido. Uma atrofia de tino.

O gato feroz.

O gato entrou pela janela.
Não gostava de caminhos óbvios.
Gostava de criar aventuras no seu território de sempre.
Então, a cada dia entrava por um lugar diferente.

O gato era preto e também branco.
Uma cor clara e outra escura, o que combinava muito com ele.

Era um gato feroz.
Mas doce como pão de mel.
Tinha o corpo forte.
Garras gentilmente afiadas no sofá.

Gostava de assustar os outros gatos.
Comprava briga pelo pote de ração ou pelo lugar no mirante da janela.
Quando estava triste miava alto em cima da máquina de lavar.
Parecia lobo uivando pra lua.

Lobos parecem mais cães,
mas talvez o gato também parecesse um...
Cãozinho cuidando da casa.
Gato de guarda.
Cuidando de tudo aquilo que parece importante.
Gato que não parece gato, mas que ronrona alto quando ganha colo.


terça-feira, maio 01, 2012

A manhãzinha da gata.

A gata magrela espreita da estante, que fica em cima da cama.
No início da manhã, naquele início bem do início quando o sol ainda nem nasceu,
ela analisa o território humano, observa o sono tranquilo.
Sorrateiramente e devagar, ela aproxima o corpo esguio.
Cheira os cabelos e aproxima os bigodes da pele que arrepia.
A gata mordisca...
mas humanos não gostam de levantar tão cedo.

Ela volta para a estante.
Recria a estratégia, pois somente humanos que estão acordados colocam comida nova no pote!
Faz círculos com o rabo, como dando corda a algum pensamento impressionante.

Pensa no infalível e age de forma rápida:
Com a pata leve, sutilmente, derruba os pequenos objeto da estante sobre a cama!

Paff na cabeça dos humanos sonolentos!

- Acordem, levantem e encham os potes de ração e água.
  Depois, se quiserem, voltem a dormir. -
Ordena a gata.

Um dos humanos abre os olhos.
Mecanicamente levanta, caminha, pega a ração, serve, abre a torneira, enche o pote, volta pelo mesmo caminho, mesmo assim tropeça, chega na cama, volta a dormir.

Agora sim, casa em ordem.
Como uma dama, a gata magrela segue altiva até o pote cheio de ração - fresquinha, crocante.
Um pouco de astúcia lhe cabe muito bem.