domingo, janeiro 05, 2014

Junho/2010

A cadela moribunda anda pelo jardim.
Arrasta o ventre em meio à grama, formigueiros e jasmins.
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Estou com o Lehmann. (escritos de algum lugar do passado)

Na metade de agosto foi uma época especial em Porto Alegre.
Nesses dias, houveram três encontros com um dos maiores teóricos do teatro na atualidade: Hans Thies-Lehmann.

De fato ele não disse nada de muito novo, para quem já leu seus livros, mas vê-lo falar e se posicionar foi uma experiência extremamente gratificante!

Homem simples, de estatura mediana e sorriso sempre agradável, o Prof. Lehmann é de um encanto inusitado para acadêmicos. Falando sobre teorias complexas de maneira simples e eficiente, ele nos faz lembrar que nem toda a teoria é sisuda e que às vezes é a gente que complica demais as coisas.

Em sua palestra inicial, Lehmann ofereceu um resumo atrativo para tudo o que desenvolve em seus livros (quem leu, quer ler de novo; e quem não leu percebe que, definitivamente, precisa começar a ler!). Apontamentos sobre o estatuto autônomo da arte teatral em relação ao drama, da existência de sujeitos conectados em redes e sem individualidades afirmadas, das distinções entre arte e entretenimento, ou mesmo da redescoberta do teatro como espaço de coexistência para todas as formas de arte, foram enriquecedores para a plateia porto-alegrense.

Na roda de debates, que ocorreu durante a noite da quinta-feira, foi gritante a dificuldade de alguns profisionais da área em dialogar com o Prof. Lehmann. Enquanto poucos se preocuparam em discutir arte, outros tantos pensavam em questões de mercado que, talvez, interessassem muito mais aos sociólogos - como foi muito bem colocado pelo Prof. duarante a palestra da manhã - quando disse que aos teóricos da arte não interessariam tanto as correntes mais numerosas do fazer artítico, mas sim as inovadoras proposições de linguagem dentro dos trabalhos apresentados.

Na sexta-feira, sua palestra se realizou após o relato de sua esposa, a crítica e teórica teatral grega Eleni Varopoulos - que apresentou a descrição de várias encenações contemporâneas de tragédias e comédias clássicas.
Lehmann, enfatizou a questão política do teatro contemporâneo em manifestação muito distinta da que se verificava nas peças, geralmente panfletárias, do século passado. Ele discorreu sobre a postura política da aparente não politização no pós-dramático, ou o que se poderia dizer uma politização mais sutil e deslocada em termos de posições binárias. É uma visão de política que é exercida como parte de uma existência, sem ser pensada como propaganda ideológica, mas apenas como implicação das discussões éticas, e por que não estéticas, que permeiam nossa sociedade.

Mas o ponto que perpassou todas as conversas com o Prof. Lehmann, e que deve ser lembrada sempre, é a ênfase na criação e no trabalho do artista como experiências únicas, reveladas ao público sem a preocupação com a razão - com o fazer sentido ou ser compreensível. A experimentação da linguagem, que poderia definir em certa medida o artístico contemporâneo, jamais deveria se colocar a mercê do desejo do público ou das necessidades de mercado. E, em certa medida, senti até mesmo uma espécie de solicitação aos que ainda acreditam nessa condição de artista: permaneçam fiéis fundamentalmente a si mesmos, pois sua arte é intransferível a si.

Depois disso me parece desnecessário dizr qualquer outra coisa.

Aquífera.

Pois que hoje o dia é de brisa,
vou me fazer plástica, elástica.
Líquida.

Me fazer, refazer, desfazer.
De fluxo e correnteza me deixar ir.

Me resmungar
em lamúrias tolas.
Me acalmar
das torrentes bobas.

Catar os cacos e secar o sangue.
Buscar a ardência do ácido que corre nas veias.
Me desaguar.

Descalçar e molhar a alma.
Apertar e amamentar a lama.
Jorrar.
Brotar.

Do sal de mim
salinar.
E me deixar marina.

Aguar o seco de soco.
Desrepresar.